Por Carine Roos

Vivemos uma epidemia silenciosa. Os transtornos mentais estão entre as maiores causas de afastamento do trabalho – apenas a depressão atinge mais de 264 milhões de pessoas no mundo, sendo a doença mais incapacitante para a vida laboral nos dias de hoje. Esses transtornos podem ser provocados por inúmeros fatores, incluindo assédio moral e sexual, jornadas exaustivas, metas abusivas, eventos traumáticos, perseguição do chefe, isolamento, entre outros.

Para assegurar a saúde mental e física dos funcionários, diminuir prejuízos e rotatividade, cada vez mais, promover um ambiente de trabalho saudável se torna meta de grandes empresas. E com isso a necessidade de desenvolvermos times psicologicamente seguros e acolhedores para todas as pessoas. 

O conceito de segurança psicológica foi popularizado em 1999 pela professora Amy Edmondson, professora de liderança e administração da Novartis na Harvard Business School. Em princípio, ela observou que times que compartilham riscos interpessoais obtêm melhores resultados. “Segurança psicológica não é sobre ser legal. É sobre dar feedbacks sinceros, admitir erros abertamente e aprender uns com os outros”, diz Amy em entrevista para o podcast HBR IdeaCast do Harvard Business Review.

A segurança psicológica pode ser vista como um conjunto de ações e ritos dentro dos times que permitem que o ambiente de trabalho não seja regido pela tensão e pelo medo, mas pela coragem e contribuição. Ou seja, um ambiente em que as pessoas se sintam encorajadas a contribuir e relatar suas inabilidades ou erros, sem o medo constante de retaliação, por exemplo.

Em times psicologicamente seguros, os indivíduos se manifestam, compartilham suas opiniões e ideias abertamente, assumem riscos, admitem falhas, aprendem com as falhas e têm discussões honestas e abertas. Já locais de trabalho onde não há segurança psicológica podem experimentar perdas cumulativas: há, comprovadamente, maior rotatividade, afastamentos, redução no engajamento da equipe.

O medo e a hesitação para expressar ideias, opiniões e, até mesmo para cometer erros, são fortes marcas de um time que não existe segurança psicológica. Se você percebe que precisa se policiar o tempo inteiro sobre o que diz na sua empresa, então você sabe o que é, embora talvez nunca tenha ouvido o termo.

Agora precisamos adicionar uma camada maior de complexidade a essa equação: os vieses inconscientes.

Fruto de uma sociedade que possui enormes barreiras estruturais como o machismo, o racismo, o capacitismo, a LGBTfobia, os vieses inconscientes são preconceitos incorporados no nosso dia-a-dia e estão baseados em estereótipos de gênero, raça, classe, orientação sexual, idade. Eles afetam nossas ações e julgamentos sem que prestemos atenção e também nos bombardeiam nas notícias de jornais, nas opiniões pela internet, nos grupos de whatsapp e nas rodas de conversa.

Os vieses inconscientes são mensagens e atitudes ofensivas, mas feitas de maneira menos óbvia e sem a intenção de machucar alguém, mas que revelam algum tipo de preconceito da pessoa. Por exemplo: quando sistematicamente em reuniões a fala de uma mulher é interrompida, quando você acha uma mulher negra “muito agressiva”, quando você pergunta a uma pessoa bissexual “o que ela prefere”, quando você se surpreende que a trainee negra fala inglês melhor que você, quando mulheres ouvem “ela deve estar naqueles dias”, quando você se refere a um novo colega PcD como um “exemplo de superação”, quando fala que alguém tem “cabelo ruim”, quando uma mãe pós licença-maternidade é perguntada se ela “descansou bastante”, dentre tantas outras micro agressões que são sistematicamente praticadas dentro dos times.

Ainda, os vieses inconscientes de gênero, raça, orientação sexual, de identidade de gênero, contra pessoas com deficiência podem invalidar ou apagar a experiência de alguém com determinada realidade. Por exemplo: pessoas que dizem que “não veem cor, mas a alma das pessoas”; dizer que alguém está sendo sensível demais quando a pessoa relata ter sofrido preconceito; dizer que alguém conseguiu algo por meio de cotas e não por mérito; “eu não sou racista, até tenho amigos negros”.

As micro agressões acima relatadas minam a autoestima e a autoconfiança das pessoas, e quando isso é reforçado dentro dos times, com piadas sexistas, racistas, homofóbicas, capacitistas, elas minam qualquer possibilidade das pessoas trazerem a sua essência dentro das equipes.

Na tentativa de reverter esse quadro, a consultora de Diversidade e Inclusão, Melinda Epler, propõe três passos para ser um melhor aliado para você fazer a diferença dentro dos times:

Primeiro passo: Comece não prejudicando ninguém

A primeira mudança é uma mudança interna de mentalidade e intenção. Sair da lógica da competição para a ideia da colaboração.

– Como aliados devemos ouvir, aprender, desaprender e reaprender, cometer erros e continuar aprendendo;

– Desligar laptops, celulares e prestar atenção ao que a pessoa está dizendo;

– Não interromper, especialmente quando mulheres estão falando;

– Ecoe e atribua a ideia de um colega do seu time;

– Aprenda a linguagem que é utilizada para descrever a identidade da pessoa;

– Pronuncie o nome correto da pessoa;

-Saiba a linguagem usada para descrever a deficiência, etnia, religião. Caso não saiba, pergunte à pessoa como ela prefere ser chamada, com qual etnia se identifica;

Segundo Passo: Defenda as pessoas sub-representadas – esteja atento para as micro-agressões diárias (como o manterrupting – quando um homem interrompe constantemente uma mulher, de maneira desnecessária, não permitindo que ela consiga concluir sua frase; mansplaining – quando um homem dedica seu tempo para explicar algo óbvio a uma mulher, de forma didática, como se ela não fosse capaz de entender; bropriating – quando um homem se apropria da mesma ideia já expressa por uma mulher, levando os créditos por ela; gaslighting – é um dos tipos de abuso psicológico que leva a mulher a achar que enlouqueceu ou está equivocada sobre um assunto, sendo que está originalmente certa) e aja para proteger quem tem menos voz.

– Se posicione quando alguém estiver sendo interrompido, menosprezado;

-Convide pessoas sub representadas para falarem (percebendo especialmente as violências que envolvem relações de gênero, raça, com PcDs, público LGBT e pessoas maduras;

– Diga não aos papéis sem pessoas sub-representadas, indique alguém;

– Incentive as pessoas sub representadas para participarem de oportunidades dentro dos times e da empresa.

Terceiro Passo: Mude a vida de alguém significativamente – se voluntarie, mentore e colabore para ajudar quem está alguns passos antes de você na jornada.

– Faça-se presente para alguém ao longo da carreira, oriente e patrocine;

-De oportunidades a essas pessoas à medida que crescem;

– Seja voluntário em programas relacionados à sua especialidade atendendo jovens carentes;

– Mude sua equipe para ser mais diversa e inclusiva;

– Você e seu time se comprometem a gerar e defender mudanças estruturais dentro da organização.

Ainda, uma liderança humanizada precisa abranger três pilares:

– Consciência – sair do piloto automático e observar os seus vieses, comportamentos e impacto no seu ambiente e nas pessoas;

– Promover ações intencionais com foco na valorização da diversidade, por exemplo: cobrar diversidade em processos seletivos, eventos, apoiar e incluir pessoas de grupos sub-representados;

– Inspirar pelo exemplo – ser uma pessoa inclusiva, congruente em todas as suas ações, se tornando referência no seu meio e círculo de relacionamento.

A aceitação da diversidade é um dos pilares para uma maior segurança psicológica de times, além de reação a erros, lidar com problemas, assumir riscos, pedir ajuda, apoio mútuo e apreciação. Mas podemos e devemos dar um passo além e buscar promover ativamente espaços onde mulheres e grupos minorizados possam se expressar, serem verdadeiramente ouvidos e acolhidos dentro das organizações trazendo o seu potencial máximo para dentro dos times. E para isso acontecer, precisamos desenvolver lideranças e times compassivos capazes de compreender as demandas e necessidades desses grupos e ativamente buscar ser um agente de transformação nos times, na empresa e em sua comunidade.  

Carine Roos é fundadora e CEO da Newa. Consultoria de Diversidade e Bem-estar. Desde a sua fundação, a Newa atua no desenvolvimento de lideranças compassivas, que atuem na construção de times mais inclusivos e psicologicamente seguros a partir do florescimento humano.

Artigo escrito e publicado para a edição 106 (março 2022) da Revista Coaching Brasil com curadoria do IISP

Fonte da imagem: unplash.com

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