Líderes podem colocar as organizações em risco quando não conseguem planejar o pior cenário possível.
19 de março de 2023 | Traduzido por IISP – Instituto Internacional em Segurança Psicológica (www.segurancapsicologica.com)
O Banco do Vale do Silício (BVS) entra em colapso depois que seus investimentos em títulos de longo prazo o tornaram vulnerável a aumentos nas taxas de juros. A BBC é jogada no caos depois de suspender seu principal comentarista de futebol e colegas abandonarem seus cargos em solidariedade. O JPMorgan Chase sofre danos à reputação e processos judiciais depois de manter Jeffrey Epstein, acusado por assédio sexual, mesmo depois dele se declarar culpado por manter relações, inclusive de uma menor.
Em todos esses casos, podemos perguntar assim como a Rainha Elizabeth II fez em uma visita à London School of Economics durante a crise financeira global de 2008: “Por que ninguém previu isso?”
Será que alguém na liderança da BBC perguntou se outros especialistas sairiam caso o Gary Lineker fosse demitido como apresentador do principal programa de futebol nas noites de sábado Match of the Day? Alguém perguntou se o BSV correria os riscos inerentes às suas políticas de investimento se as taxas de juros subissem mais rápido do que o esperado? E por que o JPMorgan concordou com o desejo do executivo e banqueiro Jes Staley em manter Epstein?
Esses são exemplos dramáticos do que pode dar errado e qualquer organização que não consiga manter seus possíveis riscos sob revisão regular, pode seguir o mesmo caminho.
Com muita frequência, os executivos não consideram o pior cenário. Por que eles não ouvem as pessoas que questionam suas decisões?
Amy Edmondson, professora da Harvard Business School, diz que às vezes é porque não há dúvidas entre eles. Os executivos ficam tão presos a este “mito compartilhado”, que ignoram qualquer sugestão de que possam indicar que estejam errados. “Operamos num viés que confirma isso e estamos predispostos a captar sinais, dados, evidências que reforçam esta nossa crença atual. Com isso, descartaremos as evidências que não confirmam este nosso viés”, diz ela.
É como dirigir por um caminho errado. “Você está na estrada dirigindo para algum lugar e está indo na direção errada, mas não sabe até ser atingido na cabeça por dados que não podem ser ignorados: você de repente cruza com algo que você não esperava cruzar.” Até que isso aconteça, você é capaz de seguir no caminho errado para confirmar o seu pensamento de que está certo.
Esse viés de pensamento de grupo e de confirmação é predominante na sociedade em geral, onde as pessoas se apoiam em qualquer evidência para apoiar sua visão sobre, por exemplo, a mudança climática, diz Edmonson. “Oh meu Deus, este é o inverno mais frio de todos. O que você quer dizer com aquecimento global?”
Em muitos casos, há dúvidas, mas eles relutam em levantar a voz ou, quando o fazem, os colegas hesitam em se juntar a eles. No JPMorgan, havia perguntas sobre Epstein. Um e-mail interno em 2010 perguntava: “Você ainda se sente confortável com este cliente que se declarou culpado e é um criminoso sexual?”
James Detert, professor da Darden School of Business da Universidade da Virgínia, diz que a evolução nos programou para não nos desviarmos de nosso grupo. “Se você pensar em nosso tempo na Terra como espécie, na maior parte vivemos em clãs, bandos, tribos muito pequenas, e nossa luta diária era pela sobrevivência, tanto em relação à segurança alimentar quanto à segurança física. Naquele ambiente, se você fosse condenado ao ostracismo, morreria. Não havia vida solo naqueles dias.”
Carregamos esse medo de ser excluído em nossos locais de trabalho, agravado pela experiência de delatores, que às vezes sofrem represálias de seus empregadores e são evitados por colegas. Os dissidentes apresentam a seus colegas uma escolha incômoda: ou se consideram covardes por não se manifestarem também, ou consideram o rebelde como “uma espécie de maluco”. O segundo costuma ser mais fácil.
A saga Lineker não é um contraexemplo? Seus colegas o apoiaram, forçando a BBC a ver rapidamente o quanto havia calculado mal. Detert diz que este foi um caso incomum. Os célebres jogadores de futebol que se tornaram comentaristas são marcas em si, Lineker em particular. A BBC percebeu o quanto precisava dele e com que facilidade ele poderia ter conseguido um contrato com um rival. Normalmente, diz ele, “os rebeldes se encontram isolados”.
Então, o que os líderes podem fazer para encorajar os que querem questionar as decisões a falar, para garantir que eles considerem todas as possíveis desvantagens de suas estratégias e escapem de uma eventual humilhação ou desastre? Detert não é fã de nomear um “advogado do diabo” encarregado de dar uma opinião contrária. Muitas vezes é claro que eles estão simplesmente seguindo os movimentos. Ele prefere o que chama de “avaliação conjunta”. Assim como a política preferida – investir em títulos de longo prazo, por exemplo – os executivos devem elaborar uma política distinta e comparar as duas. É mais provável que isso mostre as falhas na estratégia preferida.
Simon Walker, cujos cargos incluíram chefe de comunicações da British Airways e porta-voz da Rainha Elizabeth, e Sue Williams, ex-chefe de sequestros e negociadora de reféns da Scotland Yard, me disse em um evento organizado pela organização de redes de negócios do Financial Times, que os líderes devem envolver todas as funções, desde as comunicações até o jurídico e o RH, ao examinar possíveis crises futuras. Detert concorda que isso pode ser valioso, desde que a presença de departamentos frequentemente subestimados, como o RH, seja levada a sério.
O comportamento dos líderes indica se eles querem que a equipe fale. Edmondson diz: “Os líderes das organizações precisam se esforçar para convidar a visão divergente, o risco perdido. Antes de encerrarmos qualquer conversa em que haja uma decisão, precisamos dizer, sem falta: ‘O que estamos perdendo?’ explicou?’” Ela recomenda chamar as pessoas pelo nome, perguntando o que elas pensam.
Detert acrescenta que o layout do escritório também sinaliza para a equipe que seus pensamentos são bem-vindos: o líder sentado escritório aberto ou em mesas quadradas sem nomes de lugares, por exemplo, ao invés de se sentarem em mesas retangulares onde quem senta onde se torna óbvio que são eles que estão no comando.
Na verdade, quão relevantes são esses layouts de local de trabalho quando, neste contexto pós-pandemia, os funcionários nem vão ao escritório todos os dias? “Essa é a pergunta de US$ 10 milhões”, diz Detert. Por um lado, o trabalho remoto pode estar tornando mais difícil para os líderes lerem os sinais de que as pessoas estão desconfortáveis com uma estratégia. Por outro lado, pode ser que as pessoas achem mais fácil falar de suas próprias casas. Eles também podem sentir apoio de outras pessoas como, por exemplo, da família que pode incentivá-los a falar.
Outros acham que a cultura relaxada de trabalho remoto do BSV, com os executivos geograficamente espalhados pelos Estados Unidos, foi o que contribuiu para o fracasso. Nicholas Bloom, um professor de Stanford que estudou trabalho remoto, disse ao Financial Times: “É difícil fazer uma ligação desafiadora pelo Zoom”. Um alerta para o risco de taxa de juros de hedge era mais provável de surgir durante o almoço ou em pequenas reuniões.
Os líderes também precisam elogiar persistentemente as pessoas que falam. As penalidades por fazer isso costumam ser mais óbvias do que as recompensas. Aqueles que mantêm a cabeça baixa raramente são culpados. Como disse Warren Buffett: “Como um grupo, os roedores podem ter uma imagem ruim, mas nenhum roedor sozinho já foi considerado muito ruim”.
Michael Skapinker é editor colaborador do Financial Times. Ele foi repórter do Financial Times, editor sênior e colunista premiado por 34 anos. Entre os cargos que ocupou estavam o editor do Financial Times Weekend e o editor administrativo.
Fonte original: From SVB to the BBC: why did no one see the crisis coming? | Financial Times (ft.com)