Não é tristeza. Não é burnout. É pior: um drama que gera um duro golpe na vida profissional. Entenda as agruras de quem sofre com a doença no escritório.

Por Alexandre Carvalho Atualizado em 3 ago 2023, 16h17 – Publicado em 4 ago 2023, 07h00

Leia mais em: https://vocerh.abril.com.br/saude-mental/depressao-e-trabalho/

Senti um funeral no meu cérebro… Os sentidos fugindo.” Assim a poeta americana Emily Dickinson (1830-1886) descreveu seu estado de espírito num período de grave depressão. A artista chegou a ficar 25 anos sem sair de casa, evitando visitas. Faltou, inclusive, ao enterro dos pais. Sua obra, consequentemente, ficou tão reclusa quanto ela: hoje considerada uma das figuras mais importantes da poesia dos Estados Unidos, a escritora só publicou dez de seus poemas em vida.

Ter o próprio trabalho sabotado por esse transtorno mental não é algo raro. Só no Brasil, o quinto país com maior porcentagem de deprimidos no mundo (o primeiro é a Ucrânia, veja o quadro), a estimativa é que esse transtorno custe US$ 78 bilhões ao ano por queda de produtividade, segundo uma pesquisa da London School of Economics.

Não é à toa. Deprimidos, em geral, tendem a produzir menos. Numa triste combinação entre indiferença com a vida, falta de energia e uma imobilidade quase intransponível, eles são os campeões da procrastinação. E do absenteísmo também. Perdem prazos, faltam a reuniões, escondem-se dos chefes e dos colegas. E isso não tem nada a ver com preguiça ou falta de compromisso, como alguns líderes podem vir a interpretar. É doença mesmo. E que precisa ser tratada para que a pessoa se torne funcional novamente – curar é outra história.

“Nunca foi tão fácil decidirmos o que sentir e o que não sentir. Há cada vez menos desconfortos inevitáveis para os que têm como evitá-los”, escreveu Andrew Solomon em O Demônio do Meio-Dia – Uma anatomia da depressão, livro que é referência incontornável sobre o assunto. “Entretanto, apesar das afirmações entusiasmadas da ciência farmacêutica, a depressão não pode ser varrida. Na melhor das hipóteses, ela pode ser contida. E contê-la é tudo o que os atuais tratamentos almejam.”

E aí vale separar logo a depressão de um parente próximo, o burnout. Este último é um esgotamento físico e mental, geralmente associado ao excesso de demandas no trabalho (os psiquiatras também já falam em burnout parental, de quem fica sobrecarregado pelos cuidados com os filhos).

Os trabalhadores podem ficar esgotados quando sentem que não têm mais controle sobre seu cotidiano, por estarem atolados de tarefas no escritório e em horas extras. Essas pessoas podem se ressentir de

suas atribuições, dos colegas e líderes. Sentir-se irritadas e ineficazes, como se simplesmente não conseguissem fazer nada. Podem inclusive passar a odiar um emprego que um dia foi motivo de contentamento. Com esse estresse, ainda pode vir uma série de sintomas físicos: insônia, dores de cabeça, problemas gastrointestinais.

tamento. Com esse estresse, ainda pode vir uma série de sintomas físicos: insônia, dores de cabeça, problemas gastrointestinais.

Soraya Bahde, da Alelo: “Nem todo funcionário tem repertório para entender pelo que está passando e buscar uma terapia fora da empresa”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

Além de muitos desses sentimentos serem diferentes dos de uma pessoa com depressão, há uma distinção definitiva: se você excluir o excesso de atividades no trabalho, o burnout passa. A depressão não passa.

Você pode mantê-la sob controle, mas ela é uma doença multifatorial, que pode vir na herança dos seus genes, pode estar associada a abusos na infância ou a traumas como a morte de alguém querido. Você  pode ser um deprimido, mesmo que as circunstâncias da sua vida sejam as melhores possíveis. Gente rica, popular, amada, com relações estáveis pode ter períodos longos de depressão.

Porque, vale repetir: é uma doença mental – ainda que episódios negativos possam acionar gatilhos com mais frequência do que quando sua vida anda nos trilhos.

Essa confusão de motivos complica a empatia no ambiente de trabalho. “Se eu quebro o meu braço, tenho o gesso para mostrar que estou impossibilitado de executar certas tarefas, e as pessoas entendem imediatamente. Até ajudam”, diz a psicóloga Roberta Cyrillo. “Já se um colaborador está com depressão, não. Os colegas primeiro têm dificuldade de entender o problema; se entendem, não sabem como lidar. Deixam a pessoa quietinha, no canto dela. E o deprimido vai se diluindo, esmorecendo na frente de todos.”

Há a incompreensão de que você não escolheu se sentir deprimido, e os companheiros de escritório podem não entender por que você não faz algo para “se sentir melhor”.

Na depressão, diferentemente do burnout, em vez de irritação, ódio ao emprego, ressentimentos, o que sobressai é uma grande indiferença com tudo. Uma falta de vitalidade e gosto pelas coisas. Com o esgotamento, você pode não ter energia para a happy hour. Já o deprimido, caso seja arrastado para essa cerveja pós-expediente, vai permanecer com o semblante apagado, por mais animada que esteja a ocasião. “A depressão é um pesar desproporcional à circunstância”, definiu Solomon. “É uma coisa gradual e permanente, que mina as pessoas como a ferrugem mina o ferro.” Nessas situações de convívio incontornáveis, alguns ainda usam estratégias para esconder a doença (veja o quadro), forçando um sorriso amarelo para tudo. Uma máscara que tem sua razão de ser.

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