Por Soraya Bahde

Em 2017, depois de três anos atuando como diretora de Gente da Alelo, fui convidada para um novo desafio: acumular nossa área de Inovação. Um novo núcleo recém criado com a missão de trazer a experimentação e a reinvenção para a empresa, criando conexões, acelerando ideias, antecipando tendências, testando protótipos com clientes e errando rápido para acertar e desenvolver com velocidade.

Startups e design thinking estavam “na moda”, mas não entramos nessa jornada para aderir a um movimento de mercado. Tínhamos uma necessidade genuína de construir a perenidade do negócio por meio de soluções que geram valor, resolvendo problemas do dia a dia dos nossos clientes, enquanto tornávamos o trabalho mais criativo e o ambiente onde ele acontece cada vez mais interessante.

Começamos a estudar novos métodos de trabalho, ferramentas de cocriação, além de tendências que inspirassem inovações relevantes nos nossos segmentos de atuação. Compartilhamos este conhecimento com toda a organização, afinal fomentar essa competência de forma transversal era um dos nossos objetivos. Promovemos o intraempreendedoríssimo de forma contínua, mas éramos muito questionados quanto ao porquê de inovação estar sendo liderada pela área de Gente da empresa. Afinal, inovação não é tecnologia? Ou seria negócio? Será que inovação também é cultura ou habilidade?

Havia um desafio significativo na nossa jornada, relacionado à forma de entregar essas inovações ao cliente. Não tínhamos um time dedicado, por isso precisamos, no começo, mobilizar pessoas de diferentes áreas da empresa para trabalhar parte do tempo nesses times que fariam as provas de conceito, trabalhos de design ou afins.

E depois de 18 meses tentando evoluir as entregas nesse modelo, chegamos a algumas conclusões interessantes. Sim, inovação é tecnologia e é negócio. Foi nisso que focamos inicialmente para entregar nossas missões. Mas no setor de serviços financeiros ambos os fatores estão comoditizados atualmente. E aí, o que faz a diferença? O time!

Observamos então que pessoas que estavam temporariamente colaborando, com baixo comprometimento com aquele propósito, sem relações estabelecidas ou acordos de trabalho, não atuavam de fato como um time. Começamos a estudar o que poderia atrapalhar ou elevar a performance desses times que buscavam construir inovações. Foi nesse momento que nos deparamos com o conceito de segurança psicológica – definida como um ambiente que encoraja, reconhece e recompensa indivíduos pelas suas contribuições e ideias, fazendo com que se sintam seguros ao assumir riscos interpessoais.

A Dra. Amy Edmondson, professora de liderança e administração da Novartis na Harvard Business School, e autora do best-seller A Organização Sem Medo, descobriu em suas pesquisas que os empregados têm maior probabilidade de assumir riscos e compartilhar suas ideias quando se sentem seguros em suas organizações.

Ao pesquisar times, identificou de forma surpreendente que equipes de melhor performance pareciam ter mais erros que as de pior. Ao continuar a pesquisa, porém, ela descobriu que os times de melhor performance não cometiam mais erros, apenas falavam de forma mais aberta e transparente, visando crescer com essas situações. Isso acontecia porque havia segurança psicológica.

Para conseguir navegar em um mundo de tantas incertezas, relacionadas ao volume de mudanças rápidas que temos tido nas tecnologias, comportamento do consumidor e ambiente competitivo, precisamos, como humanos, nos sentir seguros. E quem nos dá esta rede de proteção para questionar verdades, fazer provocações incômodas e compartilhar ideias que parecem improváveis à primeira vista são o time e o ambiente que ele cria para trabalhar, de fato, junto.

O Gartner, empresa de consultoria e pesquisa no campo de tecnologia e gestão de pessoas, indica que a promoção da segurança psicológica traz como benefícios-chave a evolução do trabalho em equipe, o fomento ao compartilhamento de erros, aprendizados e inovações, o encorajamento da autenticidade dos empregados e a evolução dos resultados da organização de forma ampla.

No artigo Promoting Psychological Safety to Further Innovation, publicado em julho de 2019 e atualizado um ano depois, o Gartner explora que a inovação demanda profissionais que falem mais sobre suas ideias em geral e se sintam confortáveis para compartilhar fracassos, especificamente.

Aqui na Alelo, paramos para refletir profundamente sobre o papel da área de RH e da liderança nesta evolução cultural, porque este contexto é o oposto do historicamente consolidado pela maior parte das empresas brasileiras, o famigerado “comando e controle”.

Mudamos nosso modelo de artefatos culturais para deixar claro no que acreditamos e para onde queremos ir. Atualmente, ele tem três elos principais, dos quais dois têm bastante correlação com os conceitos da segurança psicológica aplicados: “Errar, corrigir e surpreender” e “Liberdade de ser quem eu sou” – porque é preciso que as pessoas se sintam confortáveis em se colocar sem medo de serem culpabilizadas, punidas ou pré-julgadas.

No lugar disso deve aparecer o respeito e a aceitação, criando um círculo virtuoso em que as pessoas buscam feedback, debatem ideias, levantam preocupações, experimentam formas diferentes de fazer as coisas e falham nestas experimentações. Por que não? O essencial é que o time esteja unido no propósito de fazer o melhor pelo cliente e evoluir sempre.

A partir deste novo cenário de cultura desejada, repensamos a atuação de RH e concluímos que poderíamos acelerar a mudança atuando em várias alavancas.

Revisamos nossos ciclos de avaliação de desempenho, saindo de um contexto de olhar contribuição individual para valorizar mais uma visão de desenvolvimento contínuo, menos punitiva, e tendo a evolução das entregas do time como objetivo principal. Deixamos também de ter remuneração variável diferenciada por performance, porque o resultado do time passou a ser mais importante do que quanto cada um contribuiu para o todo.

Segundo a pesquisa sobre Cultura da Força de Trabalho do Gartner de 2017, empregados que se sentem psicologicamente seguros vão além de suas responsabilidades e buscam formas de desempenhar seu papel de maneira mais eficaz em até 24% dos casos, impactando positivamente a performance geral.

Além disso, olhamos cada vez mais para o aprendizado dos times ao invés do individual e passamos a promover a segurança psicológica facilitando rituais em que fortalecíamos essa nova cultura, o que nos aproximou muito dos métodos ágeis. Aprendemos como utilizar seus rituais e ferramentas para promover tais interações com recorrência e colocar este tipo de prática no centro da cultura da empresa. Como um novo músculo que começamos a trabalhar até ganhar proficiência, transformando essa aprendizagem em rede, fundamentada na segurança psicológica, como um pilar da inovação.

Considerando os inúmeros benefícios da segurança psicológica, espero que organizações em geral ampliem seu conhecimento no tema, buscando usá-la como alavanca para construir negócios inovadores, prósperos e que geram real valor para a sociedade – ao mesmo tempo em que empregam profissionais mais felizes.

Soraya Bahde – executiva de RH, mãe e apaixonada pela evolução das organizações como um caminho possível de desenvolvimento e realização do potencial das pessoas que fazem parte delas.

Artigo escrito e publicado para a edição 106 (março 2022) da Revista Coaching Brasil com curadoria do IISP

Fonte da imagem: unplash.com

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