por Grazi Merlina

Se já parece provocador falar em Capitalismo Consciente, o que parece então trazer Segurança Psicológica no mesmo artigo? Me parece propício começar então com um exercício de imaginação.

Que tal imaginar um cenário onde as organizações tomem suas decisões através do impacto que geram em cada tipo de capital (financeiro, ambiental, social, emocional, intelectual, físico, cultural, entre outros)? E assim, tenham mais consciência do papel ativo dos negócios e das pessoas de negócios nas urgências do mundo?

Opa! Temos um Capitalismo Consciente na nossa equação.

Indo além, podemos imaginar que tais decisões são feitas pelas pessoas de negócios e a forma como se relacionam. E se essas relações criarem um ambiente disposto a inovar, com liberdade para expressar diferentes ideias e hábil para lidar com dilemas que impeçam um equilíbrio entre performance e positividade? E assim, sintam-se seguros/as para tomar riscos individuais e interpessoais?

Opa! Temos um time com Segurança Psicológica na nossa equação.

Saindo desse cenário imaginado, vamos para a prática. O movimento do Capitalismo Consciente chegou ao Brasil em 2013. Ele nasceu nos EUA, fruto da soma das pesquisas do Prof. Raj Sisodia da Babson College com a vivência prática do empresário co-fundador do Whole Foods, John Mackey, e desde então tem o objetivo de inspirar, educar e disseminar os pilares comuns às empresas humanizadas e prósperas. São eles:

Tais pilares contribuem com o ganho de consciência dos negócios a medida em que olhar para eles pode dar pistas e caminhos sobre o que precisa ser transformado, quais as novas aprendizagens necessárias à organização, quais coragens estão sendo requeridas para romper determinados padrões. Não se trata de perfeição, se trata de reinvenção constante.

Sinto que está chegando a hora de conectar tudo isso com a Segurança Psicológica de Times. Vamos lá:

Times psicologicamente seguros operam com mindset inovador, criador do futuro, e propositivo. O gasto de energia vai para a criatividade e não para a reatividade.

E isso é muito além de ser um time autêntico e humanizado. É sobre colocar as cartas na mesa mesmo antes do jogo começar. É sobre andar na mesma direção sem precisar andar junto porque confia-se no apoio mútuo. É sobre combinar o seu melhor com o melhor do outro porque se apreciam e não se contentam com o melhor individual. É sobre enxergar que o valor dos recursos de um sistema existe quando eles estão aplicados no lugar certo e na hora certa. É sobre ter a convicção que não tem jogo ganho quando um único jogador ficou pra trás.

Isso tudo reforça ainda mais o desejo pela alta performance. Operar com um propósito que vai além do lucro, exige que o lucro seja um objetivo. A Segurança Psicológica dos times não elimina os problemas e os erros, mas coloca o propósito acima deles. Há pouco espaço para envergonhar-se de um erro ou sentir-se ameaçado por um problema porque o que está em jogo, de verdade, é um propósito maior.

Ao mesmo tempo, não se trata de alta performance a qualquer custo, o que é uma fonte geradora de ansiedade nas equipes. Trata-se de uma cultura de cuidado. Cuidar de si, do outro e do entorno. A percepção sobre o outro e seu estado emocional entra aqui como fundamental para que o time tenha segurança psicológica. Como bem disse Caryl Stern, ex-CEO da Unicef USA: “eu não desapareço quando venho para o trabalho.”

Cenas que eu já vivi (ninguém me contou), atuando como consultora de desenvolvimento humano e organizacional:

Líder de uma grande empresa multinacional, capa de revista de negócios, defendendo uma cultura de inovação, com alto investimento em tecnologia e relações ganha-ganha com stakeholders. Praticamente, um prêmio de líder consciente. Entra na sala, durante um workshop de inovação com seu time gerencial e diz: “o que estão fazendo aqui? é uma perda de tempo. vocês não fazem direito nem o dia-a-dia, como vão querer inovar?”

Diretor de unidade de negócio de uma outra grande empresa multinacional me encontra no intervalo de um workshop sobre práticas de Liderança Consciente que estava sendo conduzido com seus diretos: “você me dá meia hora no final do workshop? vou aplicar uma prova pra eles, quero ver quem sabe de cabeça os nossos valores!” Justificou-se: “um dos nossos valores é fazer a coisa certa, então preciso saber se eles sabem o que é certo”.

Numa mesa de negociação de um projeto com a equipe de compras de mais uma grande empresa multinacional: “nossa política é de 90 dias de pagamento depois da entrega do projeto, mas nós estamos priorizando alguns fornecedores para ficarmos dentro das metas. Então o pagamento de vocês pode ficar para 120 dias”.

O que eu aprendi?

Não há liderança consciente sem o líder ser verdadeiramente parte do time e trazer relevância a aspectos como apreciação, apoio e risco.

Não há cultura consciente sem espaço seguro para errar, pedir ajuda e ser vulnerável. Onde fazer a coisa certa é confundido com acertar.

Não há orientação para stakeholders quando o abuso do poder econômico prevalece sobre a diversidade e a sensibilidade social. Onde o fornecedor precisa se sentir pressionado e não seguro na relação.

E o que falar sobre Propósito Maior?

Propósito é vivo, dinâmico e evolutivo. Não há propósito maior em times não seguros para aprender.

Acabo de me lembrar de um conto dinamarquês:

Você vê a torre?”, disse o primeiro rei para o segundo, apontando para uma parte alta e grandemente fortificado do castelo. “Em meu reino, posso ordenar a qualquer um dos meus subordinados que escale até o topo e, então, pule para a morte. Tal é o meu poder que todos eles me obedecem”.

O segundo rei, que o estava visitando, olhou ao redor e apontou para uma pequena e modesta casa próxima.

– “Em meu reino”, ele disse, “eu posso bater à porta de uma casa como aquela, e em qualquer cidade ou vila eu serei bem-vindo. Tal é meu poder que posso pernoitar, dormir bem sem temer pela minha segurança.”

A qual reino você pertence? Que rei é você?

Grazi Merlina – Conselheira, palestrante e mentora de negócios de impacto

Ser energia é uma dádiva. Ser ignição é uma escolha. Escolho ser a ignição da energia divina das pessoas.

Artigo escrito e publicado para a edição 106 (março 2022) da Revista Coaching Brasil com curadoria do IISP

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