Por Taissa Regina Bernini e Melo
Praticamente dois anos após o isolamento social da maioria da população, com o avanço da vacinação e, assim, do controle da pandemia, grande parte das corporações já definiu como será seu “novo normal”. Aproximadamente 75% das empresas, de acordo com pesquisa da Great Place to Work, optaram por adotar o modelo híbrido de trabalho, que significa trabalhar presencialmente em parte do tempo (quantidades de dias na semana/mês a critério de cada empresa) e on-line em outra parte, com predominância do trabalho remoto (ou seja, on-line).
Esse modelo, que ao que parece, veio para ficar, teoricamente reúne o melhor dessas duas formas de trabalho: no trabalho presencial, retomam-se a interação com os colegas e equipes de trabalho (que tanto fez falta durante o isolamento social), os momentos de pausa ao longo do dia, o famoso “cafezinho” e as conversas de corredor e elevador, além dos almoços descontraídos. Do home office, mantemos o maior tempo com família e a qualidade de vida, garantindo melhor mobilidade urbana e considerando que muitas pessoas mudaram dos grandes centros urbanos para cidades do interior e/ou para bairros mais tranquilos, além da maior produtividade – há ressalvas quanto a esta última, devido ao aumento de horas trabalhadas por dia, com impacto negativo na saúde mental de muitos profissionais (crescimento de casos de ansiedade e burnout).
De fato, é possível obter o melhor desses dois tipos de trabalho, desde que sejam feitos ajustes na dinâmica das equipes e das empresas. Dessa maneira, os resultados podem ser vantajosos tanto para a empresa quanto para os profissionais.
E quais seriam esses ajustes? Quais são as melhores práticas do modelo híbrido de trabalho? A resposta a essas questões vale 1 milhão de dólares, não é? A resposta, porém, é que não há uma única resposta!
Esse modelo de trabalho está sendo desenhado à medida que o vivenciamos. O que já se sabe é que é preciso mais do que novas políticas de bem-estar, horários flexíveis, tempo-limite de reuniões etc. É essencial que líderes e demais profissionais em cargos de gestão entendam a realidade de sua(s) equipe(s) e trabalhem em conjunto com ela(s) para definir a melhor forma de trabalho.
A dra. Amy Edmondson, professora da Harvard Business School e expert em Segurança Psicológica de times, escreveu: “as organizações prosperam, ou deixam de prosperar, com base em quão bem os pequenos grupos dentro dessas organizações funcionam”. Nessa realidade, um caminho promissor e interessante a ser explorado é a Segurança Psicológica de Times (SPT), que por definição de Edmondson é “a crença compartilhada, pelos membros da equipe, de que esta é um ambiente seguro para se tomar riscos interpessoais”.
O trabalho híbrido constitui uma boa oportunidade para o desenvolvimento da SPT, já que é um modelo em construção, sem respostas prontas. Isso pode facilitar a mudança de posicionamento de líderes e gestores, que precisarão demonstrar sua vulnerabilidade e colocar-se como parte do time para a construção de um ambiente seguro.
A seguir apresentaremos algumas ações que podem iniciar o desenvolvimento do ambiente seguro nesse contexto de definição de boas práticas do trabalho híbrido.
1. A abertura/transparência de líderes e gestores
É preciso abrir ao time um espaço de escuta verdadeiro, para que todos possam compartilhar ideias, anseios, dificuldades e obstáculos profissionais e pessoais nessa nova dinâmica de trabalho.
Além da escuta, os líderes/gestores também devem se colocar e comentar seus anseios, preocupações, ideias e obstáculos profissionais e pessoais. Essa conversa transparente e com interesse genuíno no outro permite uma conexão real da equipe.
É importante ressaltar que, para um time que ainda não se percebe em ambiente seguro, esses encontros nem sempre fluirão imediatamente. Nesse caso é possível que sejam necessárias mais conversas francas e verdadeiras, seguidas de atitudes que as sustentem, para que a equipe sinta confiança e, assim, se posicione.
2. Cocriação a partir do time
As conversas sobre a dinâmica do time devem resultar em ações que considere as distintas necessidades e realidades de seus membros – sejam elas estruturas familiares, fusos horários (no caso de contratação de pessoas em diferentes países) ou localizações geográficas (como já apontado, muitas pessoas deixaram os grandes centros urbanos).
Tais ações não serão a solução das dificuldades de cada membro do time, pois isso seria impossível. Elas serão o reflexo da melhor forma de trabalho daquela equipe para atingir os resultados definidos de forma sustentável.
Na prática, poderão ser definições como a frequência de reuniões presenciais, a necessidade ou não de encontros de todos os membros da equipe, o momento de socialização e a priorização de reuniões.
3. Atenção à comunicação
Em relação à comunicação, é preciso garantir espaço de fala a todos. Assim, é importante definir como serão tomadas as decisões, de que maneira será feita a comunicação de pontos relevantes, metas, prioridades e alinhamentos – voltados a garantir o bom desempenho dos membros da equipe –, qual é a melhor forma de acesso às informações, entre outros.
É preciso assegurar que “a voz” de quem está presencial e a de quem está on-line sejam igualmente consideradas.
4. Conexão com o indivíduo
Deve-se estimular e desenvolver uma das atitudes-chave de uma equipe psicologicamente segura, que é a média/alta sensibilidade social. Ou seja, os profissionais da equipe devem ter a capacidade de perceber como os outros se sentem com base em seu tom de voz, suas expressões e outros aspectos não verbais.
No trabalho on-line, a percepção de aspectos não verbais é um pouco prejudicada, o que traz a necessidade de se aproximar das pessoas de outra maneira – por meio de ligações telefônicas mais frequentes, feedback construtivos frequentes, chamando para conversar antes ou após uma reunião virtual, ou até mesmo em interações on-line que não sejam para falar de trabalho.
5. Consistência
A segurança psicológica resulta de uma construção com os membros das equipes e, para que seja consistente, é preciso que as falas e ações sejam harmônicas. Os profissionais não assumirão riscos se tiverem a percepção de que sua colocação será julgada, criticada ou mesmo condenada.
O julgamento pode vir por meio de brincadeiras, comentários e eventualmente de expressões não verbais. Por exemplo: em um encontro voltado a definir o melhor dia para a reunião de time, uma pessoa comenta que seria melhor após as 9h, por conta de sua atividade física. Em algum momento, outro membro do time faz um comentário/uma brincadeira sobre essa necessidade. Isso certamente irá dificultar a colocação dessa pessoa em um próximo encontro.
Outro exemplo: pessoas que preferem ou têm mais disponibilidade de estar no escritório fazerem comentários sobre não encontrar tanto esse ou aquele colega.
Para que a equipe como um todo de fato se sinta segura, atitudes como essas não deverão ser permitidas.
As cinco ações descritas configuram os primeiros passos para a construção de um ambiente seguro no modelo híbrido de trabalho.
Elas consideram as atitudes essenciais de um time psicologicamente seguro, que são a igualdade na distribuição da fala, a sensibilidade social – conforme evidenciado no projeto Aristóteles – Google – e os elementos da Segurança Psicológica de Times: aceitação da diversidade, apoio mútuo, pedir ajuda, apreciação, reação a erros e lidar com problemas.
O desenvolvimento de segurança psicológica em um time exige mudança de comportamento consistente e contínua de todos os envolvidos. E essa mudança certamente trará benefícios para o indivíduo, para o time e para a empresa.
Taissa Regina Bernini e Melo, coach, Action learning Coach, facilitadora de desenvolvimento de times e consultora de parentalidade positiva.
Artigo escrito e publicado para a edição 106 (março 2022) da Revista Coaching Brasil com curadoria do IISP
Fonte da imagem: unplash.com